quarta-feira, 29 de agosto de 2012

Modelo de Petição - Reclamatória Trabalhista


EXMO (A). SR (A). DR (A). JUIZ (ÍZA) DE DIREITO DA VARA DO TRABALHO DE  ..........  MG.


(qualificação), por meio de seus procuradores, com instrumento incluso, vem respeitosamente a presença de Vossa Excelência propor a presente
RECLAMATÓRIA TRABALHISTA
            Em face de (qualificação), pelos fatos e fundamentos a seguir aduzidos:
            DOS FATOS:
            O Reclamante desde de o ano de 2005 laborou para o Requerido, na Fazenda ....., zona rural de ..... MG, como trabalhador braçal, tanto na ordenha como no cuidado com os animais da fazenda.
            Durante esse período, o trabalhador laborava pelos seguintes períodos:
            (descrevê-los).
            Assim, o trabalhador laborava 31,5 horas por semana, ou seja, fazia semanalmente 9,5 horas extras, as quais jamais forma pagas.
            Ocorre, que durante todo o período laborado o empregador jamais cumpriu com suas obrigações legais, não efetuando a assinatura de sua CTPS, bem como não recolheu qualquer contribuição previdenciária, nem mesmo efetuo os depósitos do FGTS.
            Durante todo o período o empregador efetuou os pagamentos de meio salário mínimo, isso conforme a época, e sem dia certo para efetuar os pagamentos.
            Outro fator importante é que o empregador jamais pagou qualquer hora extra durante todo o período, já o reclamante, por seu turno era obrigado a trabalhar todos os dias, incluindo os feriados e domingos.
            E ainda, o trabalhador jamais gozou férias, trabalhando todo esse tempo sem qualquer período de descanso que lhe fizesse recobrar ânimo, pelas jornadas exaustivas em que laborava.
            Destaca-se que o Reclamante jamais recebeu 13º salário.
            Ocorre ainda que na data de ...... o trabalhador foi surpreendido com a demissão por parte do empregador, que se nega a garantir-lhe qualquer de seus direitos, fato pelo qual não resta alternativa senão buscar guarida frente ao Judiciário.
            DO DIREITO:
            A Republica Federativa do Brasil, funda-se na valorização do Trabalho e da livre iniciativa, (CF/88 Art. 1º IV), sendo o trabalho, portanto indispensável à construção da sociedade, porém, é de igual importância a proteção dispensada à Dignidade Humana (CF/88 Art. 1º I), construída a partir do trabalho, que não pode ficar a mercê de apenas um lado na relação laboral.
            Nesta Senda, o art. 7º da Constituição Federal, garante aos trabalhadores uma gama de direitos que visam, sobretudo garantir sua proteção social, visando a melhoria constante no desempenho de suas funções, vejamos o caput:
Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:
            Como sabemos a Constituição Federal veda o trabalho do menor de 16 anos fato qual teremos sempre como base a data de 16 de fevereiro de 2007, o Reclamante completou seus 16 anos de idade, portanto, não justificando qualquer conduta no sentido de minorar a responsabilidade do empregador, muito pelo contrário, temos que o empregador é ainda mais responsável pelo trabalho do adolescente.
            DO RECONHECIMENTO DO VÍNCULO:
            Da relação de emprego:
            Temos que a relação de empregou possui seu conceito estritamente ligado a tempo e a subordinação existente entre empregado e empregador, consoante disposto no art. 3º da CLT.
                        Quanto ao conceito legal de empregado temos que:
Art. 3º - Considera-se empregado toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário.
Parágrafo único - Não haverá distinções relativas à espécie de emprego e à condição de trabalhador, nem entre o trabalho intelectual, técnico e manual.
            No caso em tela é visível a relação de emprego existente, a qual se caracteriza pelo vínculo existente e prorrogado ao longo de seis anos.
Imprescindível no caso em tela que se declare o tempo laborado, bem como as demais consequências daí originadas, visto tratar-se de relação de emprego estabelecida às margens da lei por imposição do patrão.
            DO TEMPO DE TRABALHO AOS DOMINGOS E FERIADOS:
Assim, quanto aos feriados e domingos trabalhados o reclamante faz jus a remuneração de um dia normal de trabalho mais as horas efetivamente laboradas com o acréscimo de 100% (cem por cento).
EMENTA: DOMINGOS E FERIADOS TRABALHADOS – ADICIONAL DE 100% SOBRE AS HORAS TRABALHADAS – REFLEXOS NOS DSR’S E FERIADOS FOLGADOS – ADMISSIBILIDADE – AUSENCIA DE BIS IN IDEM. O trabalho aos domingos e feriados gera pagamento das horas mourejadas com adicional de 100%, ou seja, de horas extras. Com efeito, havendo habitualidade, passam a integrar o valor do salário dia, e, conseqüentemente, devem refletir-se sobre a paga dos descansos e feriados não trabalhados, cuja base de cálculo é justamente o valor de um dia de remuneração.
O Tribunal Superior do Trabalho sumulou a previsão dessa situação, dando formato legal da interpretação.
Súmula Nº 146 TRABALHO EM DOMINGOS E FERIADOS, NÃO COMPENSADO O trabalho prestado em domingos e feriados, não compensado, deve ser pago em dobro, sem prejuízo da remuneração relativa ao repouso semanal.
DAS VERBAS RESCISÓRIAS
No momento da rescisão contratual, o Reclamante não percebeu as verbas rescisórias inerentes à demissão sem justa causa, fazendo jus portanto ao pagamento de aviso prévio, férias proporcionais, acrescidas de 1/3 (um terço), 13º décimo terceiro salário proporcional, multa rescisória (FGTS 40%), saldo de salário e demais verbas rescisórias inerentes à espécie.
DA MULTA DO ART. 477 DA CLT
Em consonância com o que preconiza a legislação brasileira observa-se que não sendo pago as verbas rescisórias, por óbvio o Reclamado extrapolou o prazo de que trata o parágrafo 6º, do artigo 477, da CLT, assim, o Reclamante deve receber a multa que trata o parágrafo 8º deste mesmo artigo, prevista em uma remuneração mensal do empregado demitido.
DO SEGURO DESEMPREGO
No caso telado verifica-se que deve ser pago o seguro desemprego, e o Reclamado deve ser condenado a indenizar no montante das parcelas que o Reclamante deveria receber a título de seguro desemprego.
DAS FÉRIAS:
Um dos direitos básicos do Trabalhador é o direito a férias remuneradas, tem-se aqui que como um período indispensável ao trabalhador a fim de que este exerça seu direito ao lazer e à qualidade de vida, e funda-se, sobretudo no art. 7º, inciso XVII da Constituição Federal.
Assim, temos que:
“O descanso anual remunerado é consagrado em todas as legislações por razões médicas, familiares e sociais. No Brasil o princípio constitucional está previsto em Convenção Internacional da OIT [...] seu ordenamento básico corresponde na extensão de 30 dias corridos, pagamento em dobro quando gozadas a destempo, [...].” [1]
Sabemos ainda que tal direito encontra-se amparo, sobretudo no art. 129 da CLT, in verbis:
Art. 129 - Todo empregado terá direito anualmente ao gozo de um período de férias, sem prejuízo da remuneração.
Temos ainda ser expressa a previsão de que em caso de não pagamento no prazo legal, como ocorreu no caso em tela, os valores são devidos em dobro ao Trabalhador, vejamos:
Art. 137 - Sempre que as férias forem concedidas após o prazo de que trata o art. 134, o empregador pagará em dobro a respectiva remuneração.
Assim, como o Trabalhador não gozou férias em período algum, faz-se imprescindível que o Reclamado as pague em dobro, vejamos a jurisprudência do egrégio TRT 3, in verbis:
01857-2001-104-03-00-3
Relator: Lucilde D'Ajuda Lyra de Almeida
Revisor: Emília Facchini
EMENTA: FÉRIAS NÃO USUFRUÍDAS. PAGAMENTO EM DOBRO. As férias não efetivamente usufruídas devem ser pagas em dobro e não em triplo. Isto porque, já tendo a reclamada remunerado as férias de forma simples, é devido apenas o novo pagamento, já que a dobra a que faz jus o empregado, neste caso, consiste na repetição do valor correspondente à remuneração pelo trabalho prestado em período destinado ao descanso, perfazendo-se, assim, o pagamento em dobro da remuneração.
DO 13º SALÁRIO:
Outra garantia do Trabalhador é o pagamento do 13º salário, também conhecido como gratificação natalina.
Tal garantia está prevista na lei nº 4.090, de 13 de julho de 1962,
Art. 1º - No mês de dezembro de cada ano, a todo empregado será paga, pelo empregador, uma gratificação salarial, independentemente da remuneração a que fizer jus.
§ 1º - A gratificação corresponderá a 1/12 avos da remuneração devida em dezembro, por mês de serviço, do ano correspondente.
Ora, Excelência, o Reclamado jamais pagou ao Trabalhador qualquer gratificação, sempre dizendo que 13º só possui quem tem carteira assinada, e assim passaram-se os anos sem que houvesse qualquer pagamento.

DO FGTS:
Outro direito de extremada importância para o Trabalhador é o recolhimento do FGTS, direito esse, de índole tanto alimentar, quanto de caráter social, assim, sua omissão em recolhê-lo, praticada por parte do empregado fere não só o direito do empregado, como também de toda a sociedade que se beneficia de forma direta e indireta dos valores recolhidos.
Vejamos a Jurisprudência a respeito do tema:
01631-2004-015-03-00-0
Relator: Manuel Cândido Rodrigues
Revisor: Marcus Moura Ferreira
EMENTA: FGTS NÃO RECOLHIDO AO LONGO DO CONTRATO DE TRABALHO - LICITUDE DO PAGAMENTO, DIRETAMENTE, AO EMPREGADO, EM ACORDO JUDICIAL. O FGTS é, sem dúvida, uma contribuição social, sendo seus recursos aplicados, em vários programas sociais, destinados aos trabalhadores brasileiros. Entretanto, possui natureza dúplice, sendo, ao mesmo tempo, também, direito dos empregados urbanos e rurais, conforme assegurado pelo artigo 7o., inciso III, da Constituição da República. Trata-se, portanto, de direito trabalhista, constitucionalmente garantido aos empregados urbanos e rurais, a quem resta, igualmente, assegurado o direito de Ação, junto ao Poder Judiciário. E, por tratar-se de créditos trabalhistas, os valores do FGTS têm natureza alimentícia, gozando de prerrogativas, exatamente, porque deles depende a subsistência do trabalhador e de sua família. Por tais razões, não tendo havido o recolhimento de tais valores, ao longo do contrato de trabalho, o pagamento pode ser efetuado, diretamente, ao empregado - caso presente qualquer das hipóteses de levantamento, previstas na legislação pertinente 
É importante ainda mencionarmos ser direito fundamental do Reclamante, que o poderá usar para diversos fins, os quais certamente contribuíram para a construção de sua dignidade humana.
DO SALÁRIO PAGO:
No presente caso o Reclamante recebia a quantia equivalente a meio salário mínimo, sendo certo que laborava por cerca de 31,5 horas por semana, enquanto que o ajustado fora apenas meio expediente, ou seja, 22 horas semanais.
Ressalte-se que isso apenas durante o período letivo, pois durante as férias o Reclamante laborava período integral, inclusive aos sábados e domingos.
Temos ainda que o salário é garantia do trabalhador constituindo-se na contraprestação por seu labor, vejamos:
Art. 76 - Salário mínimo é a contraprestação mínima devida e paga diretamente pelo empregador a todo trabalhador, inclusive ao trabalhador rural, sem distinção de sexo, por dia normal de serviço, e capaz de satisfazer, em determinada época e região do País, as suas necessidades normais de alimentação, habitação, vestuário, higiene e transporte.
Temos ainda, que se trata direito inerente a pessoa do trabalhador e fundamental para a construção de sua dignidade, vejamos o que diz a jurisprudência:
Órgão Julgador:  Quarta Turma
Relator: Luiz Otávio Linhares Renault
Revisor: Convocada Maria Cristina Diniz Caixeta
EMENTA: SALÁRIO, O QUE É? O QUE É SALÁRIO? DIREITO SOCIAL FUNDAMENTAL - ISONOMIA CONSTITUIÇÃO E CLT MAIS AO SABOR DAS RUAS DO QUE DAS ACADEMIAS- CONJUGAÇÃO DE VALORES INCLUSIVOS POR INTERMÉDIO DE CONSTITUIÇÃO DIRIGENTE- Em certa ocasião, Fernando Sabino disse, mais ou menos, o seguinte: "o gato não cabe na palavra gato". Assim se expressou, talvez, porque, segundo a lenda, o gato tenha sete vidas. Talvez, por outra razão qualquer, que não percebi. Parafraseando, sem juridiquês, o grande escritor mineiro, um dos quatro cavaleiros do apocalipse, não é exagero dizer, à luz do art. 457, parágrafo primeiro, c/c o art. 458, ambos da CLT, que o salário também não cabe na palavra salário. Talvez, porque o salário possua múltiplas, infinitas faces, algumas parcialmente ocultas. Talvez, porque, na sua dimensão social, o salário seja a fonte de subsistência do empregado e de sua família. Por conseguinte, atribuir-lhe tratamento restritivo é como que retirar-lhe algumas de suas vidas, como que colocar o véu sobre algumas de suas faces. De qualquer maneira, pode-se conceituar o salário como a importância fixa estipulada, devida e paga, em dinheiro, diretamente ao empregado pela empregadora, como contraprestação do serviço.
DAS HORAS EXTRAS:
Como já narrado acima o Trabalhador laborava cerca de 31,5 horas semanais, em semanas letivas, bem como 56 horas semanais no período não letivo, assim cumpria jornada muito além da estipulada para o trabalho e determinada pela lei.
É certo ainda que o Reclamante jamais recebeu por elas, bem como jamais recebeu qualquer acréscimo em seu salário, o que sem dúvida não pode perdurar frente ao judiciário.
Assim, a trata a jurisprudência do TRT3:
Relator: Antônio Álvares da Silva
EMENTA: HORAS EXTRAS - REMUNERAÇÃO. As horas extras e respectivo adicional de 50% são calculadas com base no salário fixo mais comissões (art. 457, § 1º da CLT), uma vez que tanto quanto a hora normal, são contraprestações devidas e pagas diretamente pelo empregador a todo trabalhador, pelo trabalho prestado. Ref.: Art. 4º, § 2º Lei 4266/63 En. 254/TST Art. 457, § 1º CLT Art. 652, d, CLT
Assim, resta imprescindível que as horas extras laboradas sejam devidamente pagas com todos os seus acréscimos legais, incluindo aí o adicional de 50% bem como sejam consideradas no cálculo de todas as verbas trabalhista a que seja condenado o Reclamado, especialmente em relação ao FGTS.
DOS PEDIDOS:
            Pelo exposto, e por ser medida de Justiça, requer a Reclamante a Vossa Excelência:
            - Deferimento da Gratuidade de Justiça uma vez que o Reclamante não possui condições de arcar com os ônus processuais sem prejuízo do seu sustento e de sua família.
            - O reconhecimento do vinculo trabalhista no período de ..... a ......, bem como a condenação do Requerido à consequente anotação na CTPS do Reclamante do tempo supra, bem como sua condenação ao pagamento de todas as verbas trabalhistas, correspondentes ao período.
            - A condenação do Reclamado ao Recolhimento das contribuições previdenciárias correspondente ao período;
            - A condenação do Reclamado ao Pagamento de todas as férias vencidas e não gozadas, todas acrescidas do terço constitucional, bem como das indenizações legalmente previstas, com multas, juros e demais cominações legais.
            - A condenação do Reclamado ao pagamento das horas extras laboradas em todos esses anos, acrescidas de todas as cominações legais
            - A condenação do Reclamado ao pagamento de todos 13º salários, referentes a todos os anos laborados.
            - Condenação da reclamada no pagamento de todas as verbas rescisórias, tais como:
a-      Saldo de salário;
b-      Aviso prévio;
c-      13° proporcional;
d-     Férias proporcionais acrescidas de 1/3;
e-      FGTS dos meses em atraso;
f-       FGTS rescisão e correspondente multa de 40%;
- A liberação das guias respectivas decorrentes da rescisão imotivada do contrato de trabalho, tais como, as guias de Comunicado de Dispensa e Seguro Desemprego (CD/SD), sob pena de condenação ao pagamento de indenização substitutiva no valor equivalente.
- Condenação em obrigação de fazer, determinando que a reclamada formalize a Rescisão do Reclamante, com baixa em sua CTPS.
- A citação do Reclamado, no endereço conforme consta do preâmbulo desta peça, para comparecer e, querendo, produzir defesa, sob pena de revelia e confissão;
- Requer ainda a condenação do Reclamado ao pagamento de custas processuais e honorários advocatícios no importe de 20% (vinte por cento) do valor da condenação.
- Protesta provar o alegado por todos os meios de prova em direito admitidos, sobretudo, ouvida de testemunhas e depoimento do reclamado e ainda, mediante produção de prova pericial, se necessária.
Dá-se à causa o valor de R$ 30.000,00 (trinta mil reais).
É o que por Justiça,
Merece deferimento!
Local, data
Advogado
OAB/



[1] Carrion, Valentin, Comentários à Consolidação das Leis do Trabalho, Saraiva, São Paulo, 2010.35ª ed. P. 177. 

quinta-feira, 23 de agosto de 2012

Monografia - EXIGIBILIDADE DE PRÉVIO INGRESSO NA VIA ADMINISTRATIVA PARA A PROPOSITURA DE AÇÕES DE CONCESSÃO DE BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO: Condição da Ação


EXIGIBILIDADE DE PRÉVIO INGRESSO NA VIA ADMINISTRATIVA PARA A PROPOSITURA DE AÇÕES DE CONCESSÃO DE BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO:
Condição da Ação[1]


1. INTRODUÇÃO:
           
O presente estudo busca traçar os contornos do tema proposto, qual seja, a necessidade de se acionar o INSS e ter seu requerimento ao benefício negado como uma condição de acesso ao judiciário.
            Nosso objetivo é tornar a questão esclarecida, tanto pela ótica constitucional quanto pela ótica da legislação, não deixando ter em mente que o acesso ao judiciário é um direito fundamental, a ser plenamente respeitado em um estado democrático de direito.
            Lado outro, busca-se com o presente estudo demonstrar que a regulamentação do direito ao acesso ao judiciário não significa violação a esse direito, e possíveis limitações não significam, ao menos em tese, violação ao direito constitucional.
            Buscamos ainda no correr do trabalho traçar uma ainda que breve diferenciação, entre as espécies de ações previdenciárias, tomando como base o provimento final almejado, desse modo, verificamos em cada espécie a ocorrência da limitação.
            Ao final, atentamos para as decisões emanadas dos tribunais pátrios, e buscamos pela análise da jurisprudência a visualização do tema pela ótica do Judiciário.

2. O ACESSO AO JUDICIÁRIO

            Sendo evidente a preocupação do legislador de 1988 quanto a garantia de que todos os atos emanados não só dos particulares, como também dos poderes executivo e legislativo, estivessem sujeitos ao um controle jurisdicional, edificou na carta maior, no artigo 5º, que está inserido no título que trata das garantias e direitos fundamentais a garantia de que nenhuma lesão ou ameaça de lesão a direito estaria à margem de um controle jurisdicional.
            Evidentemente ao criar tal instituto não desejava o legislador que todo conflito de interesse fosse levado ao judiciário, na realidade a que se verificar em cada conflito a pertinência de o poder judiciário ser acionado, sob pena de sobrecarregarmos a instituição e por consequência aumentarmos seu custo e comprometermos a qualidade do trabalho prestado.

2.1 Inafastabilidade do controle jurisdicional na Constituição Federal de 88.
           
Para ilustrarmos este tópico, desde logo transcrevemos abaixo o conteúdo do inciso XXXV do artigo 5º da Carta Maior, vejamos:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
(...).
XXXV - a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito; [2]
           
Destacam-se ainda as palavras de Alexandre Freitas Câmara, vejamos:

O princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional, pois, tem como corolário o direito, por ele assegurado, à tutela jurisdicional adequada, devendo ser considerada inconstitucional qualquer norma que impeça o judiciário de tutelar de forma efetiva os direitos lesados ou ameaçados que a ele são levados em busca de proteção. [3]

Como já dito acima, trata-se de direito fundamental, e cabe ao legislativo regulamentá-lo, de modo que seu exercício se dê com a preservação dos interesses dos cidadãos, e ao mesmo tempo garantam ao judiciário que o mesmo não estará envolvido em toda e qualquer questão.
            Verificamos assim que “embora o acesso à justiça consubstancie um direito fundamental, ele não corresponde a uma garantia absoluta, mas restrita às hipóteses em que existe lesão ou ameaça de lesão a direito” [4]

2.2 Limitações ao Acesso ao Judiciário.

            Longe de significar algo ruim, temos que limitações ao acesso ao judiciário são comuns, e sua existência não significa uma violação ao desejo constitucional de ver os conflitos de interesses sendo sanados pelo Judiciário.
            Destaca-se nesse sentido a exigência de pagamento de custas ao judiciário, o que por óbvio interfere diretamente, limitando o acesso à justiça.
            Outras limitações também ocorrem quanto a organização judiciária, ora, não se pode pleitear uma causa contra a União Federal na justiça comum estadual, e, nem por isso, vemos configurada lesão ao princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional.

2.3 Condições da Ação.
           
Sendo a ação o meio pelo qual o jurisdicionado tem acesso ao provimento mandamental, ou seja, ao bem da vida que pretende ver tutelado, verificamos que, a correta formação e desenvolvimento válido do processo são necessárias a ocorrência de alguns requisitos, os quais a doutrina convencionou chamar-se condições da ação.

As condições da Ação, como vimos, são requisitos exigidos para que o processo possa levar a um provimento final, de mérito. A ausência de qualquer delas leva a prolação de sentença terminativa, ou seja, de sentença que não contém resolução do mérito da causa, o que acarreta a chamada “extinção anômala do processo. [5]
           
Desse modo, fica evidente a necessidade da presença de partes legítimas a compor os pólos processuais; há ainda a necessidade de o provimento buscado seja possível, ou seja, impõe-se a possibilidade jurídica do pedido; e ainda, é necessária a presença de interesse de agir, por parte de quem aciona o Judiciário.

Pode-se definir interesse de agir como a “utilidade do provimento jurisdicional pretendido pelo demandante”. Tal condição da ação é plenamente compreensível. O Estado não pode exercer suas atividades senão quando está atuação se mostre absolutamente necessária.[6]

            Desta forma, compete ao segurado demonstrar que possui interesse em acionar o judiciário, preenchendo assim o requisito interesse de agir, ora, se não há indeferimento do pedido, não há que se falar em lide.
O que se pretende expressar é que há uma importante relação de complementaridade entre a tutela administrativa e a tutela jurisdicional. Por força de prerrogativa de tutela institucional, a primeira deve ser objeto de revisão da segunda e substituída apenas quando desafia o ordenamento jurídico e viola o direito material do indivíduo. [7]

E é aí, no interesse de agir, que a ausência de prévio ingresso administrativo, age, maculando a formação da lide, e por consequência, frente à ausência de interesse de agir deve o feito ser extinto sem julgamento de mérito, isso, é claro, após oportunizado ao cidadão a comprovação da negativa do pedido pela autarquia.

2.4 Conflitos de interesses – A Formação da Lide Previdenciária.

A característica básica do processo é existência de conflito de interesses, ou seja, existe uma pretensão resistida, e que, desse modo, configura-se a lide.
Nesse diapasão, temos que a existência de uma pretensão resistida é elemento de formação do interesse de agir, logo, para que haja interesse de agir é necessária a ocorrência de uma pretensão resistida.
Portanto, na seara previdenciária a negativa do INSS, em conceder o benefício, é em regra elemento de caracterização da lide, e por conseqüência, do interesse de agir.
É clássico ainda o entendimento como abaixo explanado pelo ilustre doutrinador, vejamos:

O Judiciário não pode substituir a administração nas atividades que lhe são afetas, entre elas a concessão de benefício previdenciário. A prestação jurisdicional só se justifica quando há a comprovação do conflito de interesses [8]

            Verificamos ainda que a concessão de benefício previdenciário diretamente pelo Poder Judiciário atenta contra a separação de poderes, garantida pela Carta Magna de 1988, conforme seu art. 2º, é essa a opinião majoritária na doutrina.

“Ademais, tal prática viola o princípio da Separação de Poderes, uma vez que a competência para conceder benefícios previdenciários fora constitucionalmente atribuída ao Poder Executivo, não ao Judiciário.”[9]

Desse modo, verificamos que há a necessidade de que haja a ocorrência de conflito de interesse para que o judiciário possa atuar.

3. AÇÕES PREVIDENCIÁRIAS.
           
No presente capítulo nos propomos à análise das diversas ações previdenciárias, as quais dividimos em três grandes categorias, tendo em vista o provimento final almejado, quais sejam, ações de concessão de benefício, ações de manutenção de benefício já concedido, e as ações de revisão de benefício percebido pelo segurado.

3.1 Ações de Concessão de Benefício Previdenciário
           
As ações de concessão de benefício são aquelas em que o segurado busca, por meio do poder judiciário, a concessão do benefício que entende lhe ser devido, embora lhe tenha sido negado em fase administrativa.

Por meio da ação de concessão de benefício previdenciário, o beneficiário do regime geral de previdência social – RGPS busca a obtenção de um benefício, mediante o reconhecimento da invalidade do ato administrativo de indeferimento. [10]
           
            Verificamos ainda a existência de ações em que se busca restabelecer um benefício cessado pela autarquia previdenciária, nesses casos a nosso ver o provimento final a ser alcançado é o mesmo, qual seja, o recebimento de uma renda mensal que garanta ao segurado o provimento de suas necessidades mais básicas.
Desse modo, nestas ações é imprescindível que a autarquia previdenciária já tenha se manifestado quanto ao requerimento de benefício, negando-o, ou tenha procedido ao cancelamento do benefício anteriormente concedido.

3.2 Ações de Manutenção de Benefício Previdenciário.

            As ações que buscam manter um benefício previdenciário são caracterizadas pela eminência da ocorrência de ato administrativo que retire do segurado o benefício ou o reduza administrativamente pela Autarquia previdenciária, nesses casos, faz-se imprescindível visualizemos de forma prática sua ocorrência.
            É muito comum nos depararmos com situações em que o INSS, na maioria dos casos por suspeita de fraude ou erro na concessão, notifique o beneficiário a apresentar documentos e provar certas situações, por diversas vezes o segurado não dispõe desses documentos, e mais, muitas vezes, mesmo diante da comprovação a Autarquia nega-se a manter o benefício, e isso sob as mais variadas alegações.

A ação de manutenção de benefício, tendo por objetivo a obrigação de não fazer que se pretenda impor à entidade previdenciária (CPC, art. 461), cumpre um papel decisivo na salvaguarda de interesses jurídicos de superior hierarquia em nossa ordem social. [11]
           
Nessas ações a prova do interesse de agir faz pela demonstração da exigência que se entende ilegítima ou mesmo pela impossibilidade de atendimento ao requisitado pela autarquia.

3.3 Ações de Revisão de Benefício Previdenciário.

            Quanto às ações de revisão de benefício destacamos que tratam-se de ações cujo fundamento básico é a falha do INSS no momento de concessão do benefício cuja revisão se pleiteia, seja por erro de cálculo, seja pela utilização ou não de determinado período contributivo, bem como pela fórmula utilizada para o cálculo do valor do benefício.
            É diversa e variada a gama de ações que podem ser propostas em desfavor da autarquia ao fundamento de erro no cálculo, bem como pela utilização ou não de determinado critério estabelecido em lei, bem como do índice de atualização usado para o cálculo do benefício.
            Nesse ponto fica claro a possibilidade de formação da lide, ocorrendo por vezes acordo da própria autarquia para a correção automática de benefício concedidos em determinados períodos, bem como pela grande quantidade de material disponível até mesmo na internet a respeito de tais ações.


4. EXIGÊNCIA DA NEGATIVA AUTÁRQUICA PARA INGRESSO COM AÇÃO PREVIDENCIÁRIA.

4.1 Constitucionalidade.

O modelo Brasileiro de controle de constitucionalidade trás em seu bojo a idéia de garantia dos direitos e garantias constitucionais, “está ligado à supremacia da constituição sobre todo o ordenamento jurídico e, também à rigidez constitucional, e à proteção dos direitos fundamentais.” [12]
Nesse sentido erigiu-se um controle constitucional, e “controlar a constitucionalidade significa verificar a adequação (compatibilidade) de uma lei ou ato normativo à constituição, verificando seus requisitos formais e materiais”.[13]
           

O controle constitucional, portanto, como garantia suprema dos direitos e garantias fundamentais previstos na constituição que, além de configurarem limites ao poder do Estado, são também uma parte da legitimação do próprio Estado, determinando seus deveres e tornando possível o processo democrático em um Estado de Direito.[14]

A “Jurisdição constitucional emergiu historicamente como um instrumento de defesa da constituição, não considerada como um puro nome, mas como expressão de valores sociais e políticos.” [15]
             No Brasil a competência para determinar a constitucionalidade é do Supremo Tribunal Federal, por meio do controle concentrado de constitucionalidade:

Art. 102 Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente a guarda da Constituição, cabendo-lhe:
I - processar e julgar, originalmente:
a) a ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou estadual e a ação declaratória de constitucionalidade de lei ou ato normativo federal;[16]

A exigência de prévio ingresso administrativo, como condição de ação em matéria previdenciária, pode e deve ser interpretada à luz da constituição federal de 1988, devendo ser compatível com a mesma.
Essa interpretação sem dúvidas recai pela via do controle direto de constitucionalidade no STF.
Outrossim, é enorme o número de decisões em que verificamos diversos tribunais emanando decisões relativas à matéria, notadamente os Tribunais Regionais Federais.

4.2 Legalidade.

Aferir a legalidade da exigência de prévio ingresso administrativo é tarefa difícil, especialmente tendo-se em mente que não há lei alguma que regulamente a matéria, desse modo resta-nos verificarmos a exigência de prévio ingresso administrativo a luz do ordenamento jurídico como um todo.
Como sabemos há no bojo constitucional a garantia do acesso ao judiciário, e por via de regra à justiça, assim, a exigência de prévio ingresso na via administrativa numa visão um tanto reduzida pode nos conduzir a interpretação de que, privar o cidadão de ver seu anseio julgado pelo poder judiciário seria uma afronta a tal princípio, grande engano.
A previsão constitucional estabelece claramente que não restará sem manifestação judicial lesão ou ameaça de lesão a direito, ora, se não há a negativa autárquica não há que se falar em ameaça a direito, portanto[17], não há lide a ser solucionada pelo judiciário.
Enunciado do Fórum Nacional dos Juizados Especiais Federais - FONAJEF de número 77 orienta que o ajuizamento da ação de concessão de benefício previdenciário reclama prévio requerimento administrativo.
Verificamos ainda que existe, no ordenamento jurídico pátrio diversas restrições ao acesso à justiça, sem configurar por si só violação ao direito fundamental do acesso à justiça, sendo o mais evidente a exigência do pagamento de custas processuais.

4.3 Negativa presumida.

Existem situações em que a negativa por parte da autarquia previdenciária pode ser presumida, isso se justifica pelas situações em que o existem portarias internas e/ou orientações especiais no sentido da negativa a certas situações, nas quais o segurado se enquadra.

Segundo esse entendimento jurisprudencial, se há forte presunção de que a entidade previdenciária indeferirá a prestação previdenciária objeto de apreciação judicial, é admissível o ajuizamento direto de pedido de concessão de benefício previdenciário, não se justificando a exigência do óbvio, isto é, da prova do indeferimento administrativo. [18]

Dessa forma, verificamos que a exigência de prévio ingresso na via administrativa é dispensável em se tratando de lide presumida.

5. DO PROCEDIMENTO EM JUÍZO.

O presente capítulo tem por objetivo a análise do procedimento judicial nas ações previdenciárias, isso é claro até o juízo de admissibilidade.

5.1 Da Petição Inicial.

Para a inauguração do processo, faz-se necessário o preenchimento dos requisitos dos art. 282 e 283 do CPC, vejamos:

Art. 282.  A petição inicial indicará:
I - o juiz ou tribunal, a que é dirigida;
II - os nomes, prenomes, estado civil, profissão, domicílio e residência do autor e do réu;
III - o fato e os fundamentos jurídicos do pedido;
IV - o pedido, com as suas especificações;
V - o valor da causa;
VI - as provas com que o autor pretende demonstrar a verdade dos fatos alegados;
VII - o requerimento para a citação do réu.
 Art. 283.  A petição inicial será instruída com os documentos indispensáveis à propositura da ação.[19]


Quanto ao pleito previdenciário podemos afirmar com segurança que o sucesso do feito previdenciário depende muito da formulação correta da inicial, bem como da sua instrução com a negativa do INSS em conceder o pleiteado.
Nesse sentido destacamos que não há a necessidade de exaurimento da via administrativa, isso evidentemente pelo fato de a própria autarquia previdenciária possuir diversos mecanismos de recursos internos que permitem uma reavaliação do pedido formulado.
Do ponto vista do juiz temos que deve ser oportunizada à parte autora a juntada de comprovante negativa administrativa para só, após decorrido o prazo, o juiz julgar extinto o feito sem julgamento do mérito.

5.2 Do indeferimento da inicial.

Verificamos que cabe ao autor instruir a petição inicial com os documentos indispensáveis à propositura da ação, conforme art. 284 e 283 do CPC, vejamos:
Art. 283.  A petição inicial será instruída com os documentos indispensáveis à propositura da ação.
Art. 284.  Verificando o juiz que a petição inicial não preenche os requisitos exigidos nos arts. 282 e 283, ou que apresenta defeitos e irregularidades capazes de dificultar o julgamento de mérito, determinará que o autor a emende, ou a complete, no prazo de 10 (dez) dias.
Parágrafo único.  Se o autor não cumprir a diligência, o juiz indeferirá a petição inicial. [20]
Tal exigência, contudo, não significa que devam estar presentes todos os documentos capazes de provar o direito alegado, mas apenas aqueles considerados essenciais, ou seja, que provam a existência da relação jurídica entre as partes, vejamos parte do voto do eminente desembargador Sebastião Pereira de Souza, do TJMG:
Por outro lado, no que se refere ao disposto no artigo 283 do Código de Processo Civil, importa esclarecer que há sensível diferença entre os conceitos de “documentos indispensáveis à propositura da ação” e de documentos essenciais à prova do direito alegado.
É que somente a ausência dos primeiros autoriza a conclusão acerca da inépcia da ação. A ausência dos demais não configura qualquer deficiência a viciar a demanda desde sua propositura, mas tão somente uma deficiência probatória que pode ser sanada no decorrer do trâmite processual.[21]

Desse modo, no campo previdenciário compete ao autor instruir a inicial com a prova do prévio requerimento administrativo, não o fazendo, deve o juiz determinar a comprovação do prévio requerimento no prazo estabelecido, qual seja, 10 dias.
Outra opção que se admite é a suspensão do processo por prazo suficiente a que Autor possa demonstrar que, de fato, o INSS negou-lhe o benefício que fora pleiteado.

5.3 Efeitos da Contestação de Mérito.
            Muito debatido, porém muito hipotético, ao menos a nosso ver, é a apresentação de contestação de mérito como forma de se suprimir a negativa da Autarquia.
            Os defensores da teoria argumentam a seu favor que, se a Autarquia contestou o mérito, ou seja, se o segurado possui ou não o direito reclamado, estaria configurada a lide, e, portanto, estaria configurado o interesse de agir.
            Vejamos o que diz a respeito José Antonio Savaris:

Se o INSS impugna o mérito da demanda, ainda que não houvesse interesse de agir quando do ajuizamento da causa, deflagra-se, diante do juiz, o litígio caracterizado pela resistência à pretensão elaborada na inicial, consubstanciando-se o chamado interesse de agir superveniente. [22]
           
            Destacamos ainda, nesse mesmo sentido os dizeres da eminente Juíza Federal Jacqueline Michels Bilhalva, vejamos:

“Nesta situação é assente o entendimento Jurisprudencial, dentro e fora do microsistema dos juizados, no sentido de que, ainda que não haja prévio requerimento administrativo, o beneficiário previdenciário pode legitimamente provocar a atuação do poder judiciário se o INSS apresentar contestação de mérito, resistindo e se opondo à pretensão da parte autora e com isso caracterizando a existência de lide.” [23] (grifamos).

            Desse modo observamos que a oferta de contestação de mérito dispensa a exigibilidade de prévio ingresso administrativo, pois, sua oferta significa a resistência à pretensão do segurado, configurando, portanto a lide.
            Ocorre, que, para que haja a ocorrência da hipótese em estudo faz-se necessário que o juiz da causa não perceba a ausência da negativa por parte da autarquia, e, desse modo determine a citação da mesma para responder ao feito, o que em geral não ocorre.

6. DAS DECISÕES DOS TRIBUNAIS

            No presente capítulo buscamos, por meio de jurisprudências demonstrar o tratamento que o tema têm recebido do Poder Judiciário, destacamos os entendimentos diversos nas mais variadas esferas de decisão a que o pleito rotineiramente é submetido.

6.1 Das Decisões Contrárias à Necessidade de Prévio Ingresso

            São diversas as decisões que, fundamentadas na importância do bem jurídico tutelado, e na inafastabilidade do controle Jurisdicional firmam posição fortemente contrária à necessidade de prévio requerimento administrativo para obtenção da tutela jurisdicional previdenciária, vejamos abaixo alguns exemplos:
Processo: AC 0017745-90.2011.4.01.9199/MG; APELAÇÃO CIVEL
Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL KASSIO NUNES MARQUES 
Órgão Julgador: PRIMEIRA TURMA 
Publicação: e-DJF1 p.699 de 10/02/2012
Decisão: A Turma, por unanimidade, não conheceu da remessa oficial e deu parcial provimento à apelação.
Ementa: APELAÇÃO CÍVEL. PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA RURAL POR IDADE. LEI 8.213/91. PROVA DOCUMENTAL CORROBORADA POR TESTEMUNHAS. REQUISITOS LEGAIS. CONCESSÃO DEVIDA.
I. A exigência de prévio requerimento administrativo como condição ao ajuizamento de ação judicial para a obtenção de benefício previdenciário não se coaduna com a garantia constitucional (art. 5º, XXXV) de que a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito. (...)[24]

Ag. Instrumento nº 0038436-77.2011.4.01.0000
Relator Desembargador Francisco de Assis Betti.
TRF1. DJ. 09-08-2011
(...)
3. Nos moldes do entendimento jurisprudencial hoje dominante, com supedâneo no art. 5º XXXV, do CF/88, o acesso ao poder judiciário não está condicionado ao indeferimento de pedido formulado na via administrativa, sendo assim, é prescindível, no caso em tela, restar caracterizada a lesão ou ameaça de direito por parte do administrador.[25]


“Tratando-se de pretensão envolvendo benefício previdenciário, não é necessário o prévio requerimento administrativo para que o segurado beneficiário possa ingressar na via judicial. Precedentes. Recurso especial a que se dá provimento.” (REsp 900.933, Relator Min. Carlos Fernando Mathias, STJ Sexta Turma, DJ 06/11/2007).[26]

“Conforme jurisprudência consolidada dos tribunais é desnecessário o prévio ingresso na via administrativa para justificar a busca da prestação jurisdicional” (REsp 987.764, Relator Min. Hamilton Carvalhido, STJ, Sexta Turma, DJ 30/10/2007.[27]

“I – O prévio requerimento na via administrativa não é pressuposto para que o trabalhador possa, posteriormente, ingressar em juízo com ação acidentária. Precedentes.” (REsp 230.308, Ministro Félix Fischer, STJ, DJ 20/08/2001. [28]


            Como se percebe não são poucas muito menos sem importância as decisões emanadas e que sustentam a desnecessidade de prévio ingresso na via administrativa para a configuração da presença de interesse de agir em matéria previdenciária.
            Aliás, chegamos á conclusão de que esse é o entendimento prevalente em nossos tribunais, que diferentemente da doutrina majoritária, tende à afirmar que o prévio requerimento administrativo é dispensável, frente as garantias constitucionais e à importância do bem tutelado, tendo em vista sua natureza alimentar.
           
6.2 Das Decisões Favoráveis à Necessidade de Prévio Ingresso

            Noutro lado da mesa, vemos surgir decisões que dizem exatamente o contrário das anteriores, e são convictas ao afirmar que o ingresso com a demanda previdência necessita de prévio ingresso na via administrativo.
            Respaldam seu posicionamento na existência de elementos constitucionais limitadores do acesso ao judiciário, a questão da separação de poderes, e mais fortemente a questão do interesse de agir, ou seja, se não há conflito de interesses, não há que se falar em intervenção do Poder Judiciário.
            Há ainda aqueles que sustentam que tal exigência seria ainda mais fortes nos Juizados Especiais Federais, sob pena de que estes tornem-se balcões do INSS, onde os segurados deixariam de requerer diretamente na autarquia e passariam a buscá-lo diretamente no Juizado.
            Vejamos o seguinte recorte, extraído de importante decisão emanada de voto proferido pela eminente Juíza Federal Jacqueline Michels Bilhalva:
“Ora, os Juizados têm um sistema todo peculiar voltado à celeridade e eficiência dos atos processuais.
Dentro deste microsistema regulamentado por legislação especial não há exigência dos autores contratarem advogados, assim como não há exigência do pagamento de custas processuais.
Ocorre que esta facilitação de acesso aos juizados não pode afetar a harmonia dos poderes já delineada pela Constituição Federal mediante a prática de atos atípicos pelos poderes.
Assim sendo, a facilitação de acesso aos juizados não pode chegar ao ponto de justificar a substituição da Administração previdenciária pelo Poder Judiciário, posto que o exercício desta atividade de forma atípica pelo poder Judiciário não está prevista na Constituição.
Não fosse assim, estar-se-ia admitindo um abuso do direito de demandar propiciado pela facilitação de acesso aos juizados (sem exigência de acompanhamento por advogado e do pagamento de custas processuais, admitindo-se o incremento do número de ações ajuizadas de forma desproporcional à efetiva necessidade de intervenção do poder judiciário, e, assim, sem interesse processual legítimo, o que prejudicaria a celeridade e eficiência do andamento das demais ações, estas sim ajuizadas com efetiva necessidade.” [29]

            Desse modo, verificamos com base na decisão acima, emanada em incidente de uniformização de jurisprudência, no âmbito dos Juizados Especiais Federais, que é grande a resistência quanto a necessidade de prévio ingresso na via administrativa, sob pena de violação ao princípio da separação de poderes, bem como da celeridade daquele órgão.

7. CONCLUSÃO:

            Por todo o exposto, podemos chegar a entendimentos que nos permitem concluir que a exigência de prévio ingresso na via administrativa, como condição da ação, sem a qual não se verifica a existência de interesse de agir é legítima e não fere os princípios básicos da Constituição Federal.
            Isso se justifica, pois ao garantir a inafastabilidade do controle jurisdicional a constituição tem por objetivo evitar a lesão ou ameaça de lesão a direito, sem suprimir a função executiva de aferição dos requisitos básicos a serem preenchidos pelo segurado para fazer jus à concessão do benefício.
            Verificamos ainda que compete ao autor instruir a petição inicial com prova da postulação administrativa e consequente negativa por parte da autarquia; vimos ainda que tal exigência comporta exceções, notadamente quando da apresentação de defesa o INSS contesta o mérito da ação.
            Quanto ao posicionamento dos tribunais, verificamos que há um grande número de decisões que entendem ser dispensável o prévio requerimento administrativo, inclusive do STJ, porém, há forte resistência em sentido contrário, notadamente nos Juizados Especiais Federais.
            Portanto, se por um lado a doutrina é quase unânime na necessidade de prévio ingresso administrativo, posicionamento que compartilhamos, ressalvados casos especiais, a jurisprudência, contudo, está dividida, com decisões em ambos os sentidos, cabendo ao prudente arbítrio do causídico, instruir a inicial com a negativa da autarquia previdenciária.
           
REFERÊNCIAS

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao acesso em 30/01/2012.

BRASIL. Código Civil Brasileiro, Artigo 2° Vade Mecum. Saraiva. São Paulo: 2009

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MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 17ª ed. São Paulo: Atlas.

MORAES, Alexandre de. Jurisdição constitucional e tribunais Constitucionais. 2ª ed. São Paulo: Atlas, 2003, apud Moraes, Alexandre de.op.cit.

PARENTONI, Leonardo Netto. Prévio requerimento administrativo e interesse de agir em juízo. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/12286>. Acesso em: 5 dez. 2011.

            SAVARIS, José Antonio. Direito Previdenciário em Debate. Juruá, Curitiba 2008.

            SAVARIS, José Antonio. Direito Processual Previdenciário. Juruá, Curitiba 2011.

            SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 23ª ed. São Paulo: Malheiros editores, 2004.

            STRAPAZZON, Carlos Luiz, FOLMANN, Melissa e BENEDETTO, Roberto Di (orgs.). Previdência Social – Aspectos controversos. Juruá, Curitiba, 2008.

            TAVARES, Leonardo Marcelo. Direito Previdenciário. Impetus, 12 ed. Niterói, 2010.

            Tribunal Regional Federal da 1ª Região. Diário de Justiça. Publicação de 10 de agosto de 2011. Pág. 180/181.

            www.trf1.jus.br, acesso de 10/10/2011 a 25/02/2012.

            www.stj.jus.br, acesso em 23/02/2012.

            www.tjmg.jus.br, acesso em 07/03/2012.


[1] Monografia apresentada ao departamento de pós-graduação em Direito da pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais como requisito parcial para a obtenção do título de Especialista em Direito Previdenciário.
[2] Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em: http//:www.planalto.gov.br. Acesso em 30/01/2012.
[3] CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil, Vol. I, 21ª Ed. Lumém Juris, Rio de Janeiro 2011. Pag. 51.
[4] SAVARIS, José Antonio. Direito Processual Previdenciário. Juruá, Curitiba 2011.Pág.203.
[5] CÂMARA, Alexandre Freitas. Op. Cit. Pag. 121.
[6] Idem. Pág. 124
[7] CÂMARA, Alexandre Freitas. Op. Cit. Pag. 201.
[8] CASTRO, Carlos Alberto Pereira de, e LAZZARI, João Batista. Manual de Direito Previdenciário. 12ª Ed. Florianópolis, Conceito Editorial, 2010. Pag. 763
[9] PARENTONI, Leonardo Netto. Prévio requerimento administrativo e interesse de agir em juízo. Jus Navigandi, Teresina, ano 14, n. 2044, 4 fev. 2009. Disponível em: http://jus.com.br/revista/texto /12286. Acesso em: 5 dez. 2011.
[10] SAVARIS, José Antonio, op. Cit. Pág. 192.
[11] SAVARIS, José Antonio, op. Cit. Pág. 196.
[12] MORAES, Alexandre de. Jurisdição constitucional e tribunais Constitucionais. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2003, apud Moraes, Alexandre de.op.cit.
[13] MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 17.ed. São Paulo: Atlas,2005. p. 627.
[14] KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. São Paulo: Martins Fontes, 1985.p.288-299. Apud Morais, Alexandre de .op. cit.p.625
[15] SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 23. ed. São Paulo:  Malheiros editores, 2004. p. 555.
[16] Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em: http//:www.planalto.gov.br. Acesso em 30/01/2012.
[17] CASTRO, Carlos Alberto Pereira de, e LAZZARI, João Batista. Op. Cit. Pág. 771.
[18] SAVARIS, José Antonio, op. Cit. Pág. 206.        
[19]  BRASIL. Código de Processo Civil Brasileiro, Artigos 282 e 283, Vade Mecum. Saraiva. São Paulo: 2009.
[20] BRASIL. Código Civil Brasileiro, Artigos 283 e 284, Vade Mecum. Saraiva. São Paulo: 2009
[21] SOUZA, Sebastião Pereira de, voto proferido nos autos da Apelação Cível Nº 1.0384.10.089050-6/001. Disponível em www.tjmg.jus.br, acesso em 09/03/2012.
[22] SAVARIS, José Antonio, op. Cit. Pág. 205.
[23] Pedido de Uniformização de Interpretação de Lei Federal, Processo nº 2006.72.95.02.0532-9, Brasília, 24/04/2009.

[24] Fonte TRF1, Disponível em www.trf1.jus.br, acesso em 23/02/2012.
[25] Idem.
[26] Fonte STJ, Disponível em www.stj.jus.br/jurisprudencia, acesso em 23/02/2012.
[27] Idem.
[28] Idem.
[29] Pedido de Uniformização de Interpretação de Lei Federal, Processo nº 2006.72.95.02.0532-9, Brasília, 24/04/2009.